quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O Espelho e o Abismo





There's a hole in the world like a great black pit,
And the vermin of the world inhabit it,
And its morals aren't worth what a pig could spit,
And it goes by the name of London.




At the top of the hole sit the privileged few
Making mock of the vermin in the lower zoo,
Turning beauty into filth and greed.



I too have sailed the world and seen its wonders.
For the cruelty of men is as wondrous as Peru,
But there's no place like London.







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*trad.

Há um buraco no mundo como se fosse um grande poço negro.
E os vermes do mundo o habitam
E sua moral não vale nem o cuspe de um porco
E ele atende pelo nome de Londres.



No topo do buraco sentam-se os poucos privilegiados,
Tirando sarro dos vermes do zoológico inferior,
Transformando beleza em imundície e ganância.



Eu também já viajei pelo mundo e vi suas maravilhas.
E a crueldade dos homens é surpreendente como o Peru,
Mas não há lugar como Londres.

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Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet é o mais novo bebê do cineasta Tim Burton cujas interpretações principais ficam a cargo de sua esposa Helena Bonham e o mascote da família, Johnny Depp. É, é um daqueles filmes visualmente impecáveis e mórbidos que só Burton poderia fazer. É também um musical, categoria complicada pra quem não está versado em papéis que exijam mais skills que o habitual, o que certamente não é o caso da dupla.

Mas hoje eu não quero falar sobre interpretação.

Esse excerto que postei logo no início é um trecho que o barbeiro canta em momentos especiais durante o filme. É a partir desses versos que minha fala toma rumo.

Vamos ser francos: você, leitor, se identificou com as palavras do barbeiro, não é mesmo? De qualquer forma, não é (nem de longe) necessário conhecer a Londres do século XIX pra configurar uma imagem entrópica sugerida por tais sentenças. Qualquer capital atualmente pode servir de exemplo. Agora, quando imaginamos pessoas com as características do refrão odiosamente entoado por Sweeney Todd, o mundo todo parece virar de ponta-à-cabeça.


Você pode até achar que o mundo é colorido, mas não é. Ms. Lovett, a padeira de coração gelado, chega a confabulá-lo numa de suas divagações, mas é tão destoante da realidade empregada no filme que chega a ser surreal, impossível de se conceber na prática.

A verdadeira realidade é o Abismo.

Todo mundo contribui hermeticamente (outros, escandalosamente) para fazermos do mundo esse tal poço negro; afinal, nós somos a parede do poço. Sabemos fingir tão bem que, às vezes, tapamos o poço com uma madeira fina, acreditando cegamente que ninguém escorregará pra dentro dele.Lauro Montana, em seu curta-metragem Demência, ilustra minha linha de pensamento:



Eu vou pra lá... pro fundo... pro underground.
Eu já me acostumei com a terra. Com o fundo. Com a podreira.
Você, não. você vai desligar, vai falar:
"Que cara engraçado, bizarro. Mas eu sou tranqüilo."
Tu não é. Tu não é. Tu é demente. Que nem eu.
Eu sou um espelho, ó! Um espelho.

É, o Lauro Montana é um espelho mesmo. E como diria o barbeiro, você não vale nem o cuspe de um porco, mas deseja mostrar ao mundo uma realidade que contradiz sua natureza. Você é perverso, pervertido, trapaceiro e egoísta. Manipula a mentira e a falsidade como um titereiro pra ocultar as malevolências que você pratica. Mas não se preocupe se o seu disfarce não é totalmente à prova de balas. Eu vou guardar o seu segredo junto com o meu. Junto com o dos outros habitantes do poço. E lhe asseguro: ninguém se sentirá confortável a ponto de querer falar sobre ele.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Old Habits

Tudo começa aonde termina.
As engrenagens da roda estão a todo vapor.
O espelho do espelho do espelho do espelho.
Se você parar pra enxergar, verá que...
Verá que tudo que você fez hoje, já o fez antes.
E vai voltar a fazer, a fazer, a fazer.

Isso é Ka.

Eu já escrevia em outro blog. Uma porção de buracos negros.
Eu havia me prometido que não o faria novamente.
Mas é um hábito que está além do meu controle.
Não amole o jogador de MMORPG quando ele está online.
Não questione o motivo de se colecionar cartões telefônicos.
Não queira saber a razão de se organizar as coisas,
mesmo sabendo que a Entropia cuida de seus filhos.

Isso é Ka.

Às vezes um elo se cruza com outro.
Alguém tropeça no seu pé e lhe derrama café.
O fliperama tá vazio, mas alguém coloca uma ficha contra você.
Um carro passa na porta da tua casa à 70 km/h tocando In Rainbows.
Um bando de caras com desvio social acentuado falam sobre o nada.
E descobrem o tudo.

Isso é Ka-tet.

A matéria prima de uma colcha de retalhos chamada: realidade.
Quando ela teve início? Nenhuma alma sabe.
Quem a teceu? Eu, você, o xamã desgarrado e o último pistoleiro.
Ela pode ser rasgada? Claro! Na verdade, ela está pra ser exaurida.

Isso é o sopro do Abismo.