terça-feira, 2 de agosto de 2011

Neo Noir Britânico

review sobre a série LUTHER

*****

Quando era mais novo, o cinema europeu me parecia coisa de gente Cult. Filmes monótonos e que não pareciam chegar a lugar algum, mas mesmo assim surgiam recheados de menções honrosas em suas capas de DVD que indicavam prêmios conquistados ao redor do mundo.

Como a maioria dos brasileiros, cresci vendo filmes americanos e por esse mesmo motivo não foi fácil gostar do cinema do Velho Mundo, já que em sua essência eles em nada se parecem. Entretanto, os anos passaram e minha perspectiva mudou. Continuo fã inveterado do Tio Sam, mas agora enxergo suas limitações concernentes à censura, à captação financeira, e ao showbiz.

Dito isso, apresento-lhes Luther, uma série britânica produzida a partir de 2010 pela BBC que consiste em duas temporadas até o momento: a primeira com seis capítulos e a segunda com apenas quatro. Diga-se de passagem, este formato da terra da rainha soa bem mais enxuto do que os exagerados 23 capítulos anuais que muitas produções americanas possuem, servindo em sua maioria como fillers desnecessários para tramas que demoram a se desenrolar (vide Supernatural).

Luther conta o dilema de seu personagem título, um negro alto que recupera seu emprego como investigador depois de supostamente deixar com que um criminoso morresse num precipício. Como se não bastasse, também precisa convencer sua esposa a reatarem seu frágil casamento, à beira de uma ruptura depois de tantos anos em crise. A série policial, apesar de utilizar diversos elementos do gênero para se sustentar (casos da semana, genialismos dos personagens para resolver os crimes, chefes insuportáveis, etc), se destaca pela violência gráfica que pinta Londres de uma maneira mais sombria e perigosa, muito mais voltada ao Mundo das Trevas da White Wolf do que CSI. Em Luther, os vilões são ainda mais insanos e perigosos, os heróis são imorais e a sociedade evoca aquele tipo de sentimento descrito por Allan Moore em sua obra prima Watchmen: decadente, corrupta, amarga. Os casos, que nem sempre são resolvidos, revela ao espectador que o triunfo da ordem sobre o caos é quase sempre um milagre. E quando me referi à insanidade dos vilões, quero compará-los a personalidades não menos ameaçadoras que o próprio Coringa, capazes de atear fogo no mundo só pra vê-lo arder. Veja por exemplo Alice, o primeiro antagonista do seriado, que mata a mãe, o pai e o cachorro apenas para provar à si mesma e à polícia de que sua inteligência ímpar jamais deixaria que fosse descoberta.

Se os vilões de representam 30% de todo o brilhantismo do programa, outros 30% é em favor de seu protagonista. Idris Elba compõe John Luther como um personagem profundo, um misto de Dexter, Cal Lightman e um toque próprio, regado a um comportamento de alguém que contempla a morte e a auto-destruição. Quando está imerso na captura de bandidos, Luther se mostra sempre perspicaz e dinâmico, capaz de improvisar sempre que as regras do jogo mudam ou quando suas deduções não estão certas (ponto para o roteiro!). Quando seu lado pessoal é levado em jogo, se mostra passional e destrutivo, sujeito a reagir explosivamente quando colocado sob pressão ou injustiçado. É o desapego pela própria vida que torna seu modus operandi tão fascinante.

Mais 30% de qualidade são ofertados pelo roteiro cujo brilhantismo se torna responsável por reciclar um tema tão comum e recriá-lo ao melhor estilo noir. Auto-destruição, corrupção e anti-heroísmo são as palavras-chave do seriado. Os diálogos são um show à parte. Contemplando a cidade de cima do prédio, a um passo de cair, o detetive remói seus próprios demônios enquanto se julga inapto de lidar com a realidade que tem de enfrentar. Seu amigo se aproxima e pergunta se podem conversar num lugar menos intimidador, mas Luther responde:

-“Você já fez isso? Chegar a um local verdadeiramente alto e perguntar-se como seria simplesmente cair?”

-“Cair ou pular?”

-“É a mesma coisa”.

-“Tomo a liberdade de discordar. Mas, na maioria das vezes vou pra casa ver America’s Next Top Model”.

-“Não se preocupa em estar do lado do diabo e nem mesmo saber que é ele?”

-“Não”.

Spoilers à parte, esta conversa representa uma bela metáfora sobre o presente de Luther, sentindo-se extremamente culpado por suas ações, não obstante não arrependido por elas. Assistam e me digam o que esta cena representa para cada um de vocês.

Por fim, os últimos 10% vai para a soberba trilha sonora, que abusa de canções de rock americano e britânico para dar um tom mais pesado e mais angustiante aos capítulos. Me refiro ao som de Marilyn Manson, Muse, Beck, Massive Attack e outras jóias da música internacional que reconhecerão ao serem tocadas.

Espero honestamente que tenha despertado o interesse de vocês em assisti-la. Luther é uma dessas séries que passará batido para a maioria dos brasileiros, mas é claro que seu público-alvo é mais selecionado. Se gosta de histórias de crimes engenhosamente planejados, finais infelizes e gosta de ser surpreendido por cenas chocantes de violência, faça um favor a si mesmo e baixe esta produção.

Clique abaixo e assista ao trailer!

http://www.youtube.com/watch?v=fnIr5bo99bA&feature=related